[...] Mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal;
porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente." Gênesis 2:17.
O desamparo é a realidade mais demonstrada pela psicanálise. Seja em Freud quando ele escreve o texto "O Futuro de Uma Ilusão (1927)" quando coloca sobre suspensão a crença. Ele consegue com muita acuidade demonstrar o homem como um animal amedrontado pela avalanche da vida.
O desamparo também é trabalhado por Lacan em sua teoria psicanalítica, pois para Lacan o homem é o mais frágil dos animais. O bebê morre no berço. Incapaz de sobreviver sem a dádiva tão bem apresentada por Marcel Mauss em seu "Ensaio Sobre a Dádiva (1979)". É preciso a benevolência de um terceiro, um faltante ou um significante que lhe atribua sentido.
O desamparo nos faz querer uma obediência. A narrativa bíblica fala sobre mandamentos que vieram após a desobediência, trabalho, dor e condenação. A teologia convencional não pensa o mundo para além da obediência, porque pressupõe que a obediência desprovê o homem de tamanho desamparo. A lógica monetária da troca, do dente por dente, ou obediência por benção permanece mais viva que nunca - com outras roupagens é lógico.
A questão é que fazer uma teologia pautada em cima da obediência não é suficiente. Ser obediente não é suficiente. Quando obedecer não vale, o que fazer? Eu não lhes darei respostas fáceis nesse breve texto, terei apenas o trabalho de demonstrar através de "uma novela da vida real" como a obediência pode ser problematizada.
Hannah Arendt é a nossa filósofa hoje que nos ajudará problematizar nossos alicerces teológicos. Ela fez questão de analisar o julgamento de um dos principais responsáveis pela deportação de judeus na Alemanha Nazista. Ao ser julgado, Arendt tem uma visão perspicaz do processo, e vê que ele não esboça nenhum sentimento de arrependimento. Ele não se arrepende. A justificativa de Eichmann é clara, estava apenas obedecendo, cumprindo minha função dentro daquela sociedade vigente.
Você teólogo teria coragem nesse momento de afirmar algo sobre a obediência. Obedecer não é suficiente. Existe algo que vem antes da obediência. Preencher o desamparo humano com obediência é aumentar ainda mais esse limbo distanciador entre nós e o Divino. Eu repito, há algo que é a priori da obediência.
Sempre escutei que obedecer é o abecedário do cristão. Ledo engano, a obediência pode ser questionada, a questão está em outro lugar, existem perguntas que precisam ser feitas antes da obediência, caso contrário continuaremos reproduzindo esse discurso nefasto onde o mal se passa de bom, e a maldade está banalizada de tal maneira que não percebemos realizar o mal.
Não preciso dizer para você observarem o tipo de discurso que encontram palco em nossas igrejas.
Responda para si: o que vem antes da obediência?